BR 232 – Viajar De Ônibus À Noite / A Rota Do Medo (O Pior Trecho Fica No Agreste, Entre As Cidades De Arcoverde E Pesqueira) Uma Viagem Pela Rota Do Medo
INSEGURANÇA Assaltos a ônibus viram rotina em trecho da BR-232 a apenas 200 quilômetros do Recife A BR-232 corta Pernambuco longitudinalmente, como uma espécie de espinha dorsal. Do Recife a Parnamirim, no Sertão, são 560 quilômetros de extensão, passando por 12 municípios. De longe, a mais importante via de integração entre as três regiões do Estado e a capital. Algumas das maiores cidades do interior, como Caruaru, Arcoverde, Salgueiro e Serra Talhada, estão no caminho. E são sete as unidades da Polícia Rodoviária Federal ao longo da rodovia – uma a cada 80 quilômetros, em média. A lógica daria conta de que seria imprudente para qualquer grupo criminoso tentar uma investida contra ônibus e vans de passageiros numa estrada tão conhecida e movimentada. Mas a lógica tem sido sistematicamente desafiada na BR-232, principalmente no trecho de 70 quilômetros entre os municípios de Belo Jardim, no Agreste, e Arcoverde, na entrada do Sertão. Apenas este ano, quatro casos foram registrados, sem contar aqueles que a Polícia acredita que motoristas e passageiros não procuram sequer as autoridades.
O terror tem horário e local bem conhecidos. Entre meia-noite e 4h, descer a Serra do Mimoso, em Arcoverde, requer, para crentes e não crentes, uma boa dose de reza. O local é ermo e os criminosos abordam aproveitando a baixa velocidade que os veículos precisam manter na descida. “Eles têm um modus operandi definido: usam carros possantes, emparelham com os ônibus e já vão mostrando as armas. Às vezes chegam a atirar para o alto. Depois, desviam o veículo para alguma estrada vicinal, onde todos os passageiros são revistados e têm os pertences de maior valor levados”, explica o delegado de Pesqueira, José Luzia. Os assaltantes preferem dinheiro, telefones celulares e tablets.
Logo após a descida da serra, um trecho da estrada onde existe um posto abandonado de combustível também é local de abordagem da quadrilha. Foi nesse ponto onde, no último dia 12, um coletivo da empresa Progresso, que fazia o percurso do Recife a Triunfo, no Sertão, foi abordado por criminosos. Moradores da região acionaram a polícia, que chegou em pouco tempo ao local. Houve troca de tiros e uma passageira foi ferida de raspão no rosto. “O ônibus ficou entre eles e os nossos homens, o tiroteio foi intenso, mas eles conseguiram escapar. São pessoas que têm profundo conhecimento da região”, diz o major Edvaldo Heleno, comandante da 8ª Companhia Independente de Polícia Militar, sediada em Pesqueira.
Os coletivos abordados são os que fazem as linhas entre o Recife e várias cidades do Sertão, como Cabrobó, Afogados da Ingazeira, Petrolina e Araripina e que normalmente rodam à noite ou na madrugada. O clima de medo entre os passageiros é perceptível. Foi possível sentir em uma breve abordagem feita pelo JC na rodoviária de Arcoverde. A maioria tem olhares assustados e usa poucas palavras. Quando sabe que a matéria é sobre a onda de assaltos, o pavor parece ser dobrado. Depoimentos, só sob contundentes pedidos de anonimato. “Só viajo porque tenho que acompanhar a minha mãe, que faz tratamento de saúde no Recife. Mas é uma tensão muito grande. A gente sabe que estão acontecendo assaltos na estrada”, diz uma moradora de Petrolina. “Dentro do ônibus, ninguém dá uma palavra. Nem celular se ouve. É todo mundo tenso imaginando que alguém pode aparecer anunciando um assalto”, afirma uma administradora que vive em Pesqueira e, às vezes, precisa se deslocar até o Recife. Um outro passageiro, que ia da capital para Cabrobó, confirma o clima de medo e expressa a revolta de uma forma não muito civilizada. “A situação só está desse jeito porque as empresas não têm prejuízo. No dia em que os passageiros tocarem fogo em um ônibus, isso muda.” Foi rechaçado por outras pessoas que acompanhavam a entrevista. Até policiais militares, civis e rodoviários federais evitam andar nos coletivos à noite. Quando fazem, escondem a identificação funcional e não leva armas. “Eles não teriam o que fazer. Os bandidos andam de fuzil e espingarda calibre 12. Então, é melhor nem portar a arma e se passar por mais um dentro do ônibus”, conta um dos motoristas entrevistados, que também pediu anonimato.
(*) Fonte: Felipe Vieira – fvieira@jc.com.br (Fotos: Sérgio Bernardo – JC)
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